O dilema do advogado: infringir a lei ou perder milhões?
Imagine-se em uma situação na qual algum integrante de seu escritório acaba cometendo uma violação da lei para atender um cliente. Qual seria sua reação: atendê-lo, mesmo infringindo a lei ou informá-lo sobre o problema, correndo o risco de perder um contrato de R$ 2 milhões em honorários advocatícios?
Isso aconteceu em um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil. E merece uma profunda reflexão. Há uma prática bastante comum entre os escritórios de advocacia de publicar as intimações de processos apenas no nome do advogado que é o sócio e fundador da empresa. Assim, é comum o compartilhamento de usuário, senha e certificado digital entre os integrantes do escritório.
Com essas informações, qualquer colaborador tem livre acesso a todos os sistemas operacionais, jurídicos e administrativos aos quais o sócio do escritório tem acesso. A prática, entretanto, traz diversos riscos à segurança da informação, já que o mau uso dos certificados digitais pode acabar causando incidentes, como o vazamento de dados e a exposição de informações confidenciais e sensíveis a pessoas não autorizadas.
Além disso, esse tipo de prática aumenta a rotina de manutenção da equipe, já que demanda mais atualizações, instalações, renovações, gestão de acessos dos novos e antigos funcionários. resultado: um risco de falha humana ainda maior. Um comportamento tão arriscado que soa até ilegal, não é? Soa, não. É ilegal. Infringe a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e normas de compliance.
Um case sem sucesso nenhum
O exemplo que dei no início do texto era exatamente sobre isso. Os dados do sócio eram compartilhados livremente entre cerca de 40 advogados, que cuidavam da gestão e do controle dos processos. Até que, certo dia, decidiu que sua participação na divisão de honorários deveria ser maior. Levou sua insatisfação ao comitê estratégico, alegando que a maioria das teses usadas nos processos era sua.
Analisado com base nas diretrizes e na governança da empresa, o pedido foi negado. Insatisfeito, o advogado e sócio optou por ir embora. Só que ele ainda possuía acesso ao certificado do fundador do escritório e, inconformado com a decisão, decidiu se passar por seu antigo sócio, acessar os processos nos quais atuava e solicitar reserva de honorários em seu nome.
Menos de uma semana depois, um cliente notificou o escritório, solicitando esclarecimentos sobre a questão. A sociedade advocatícia se viu obrigada a lidar com um dilema perturbador e decidir qual decisão tomar, levando em consideração tanto os valores reservados nos processos quanto às consequências de admitir o crime de falsidade ideológica, com infração da LGPD e de leis de compliance e penais.
A decisão do escritório permanece em sigilo. O mais importante é que o episódio foi visto como um aprendizado. A empresa adotou ações corretivas para evitar que casos semelhantes voltassem a acontecer. Uma delas foi a contratação de um gerenciador de certificados digitais, o único do Brasil. A ferramenta permite a escritórios e empresas continuarem fazendo o compartilhamento, mas com adequação legal, rastreabilidade e controle do titular do certificado ou gestor da área.
Esse dilema é coisa do passado.
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